segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Em Sevilha, sê sevilhano!

De regresso a Lisboa. Noite fria e de lua quase cheia.
No Algarve deixei metade da equipa técnica que me acompanhou a Sevilha: o treinador (pai), o treinador-adjunto (mãe), o preparador físico (Tinto) e a nutricionista (Dó). Comigo no carro seguem o massagista (Pedro) e os cheer leaders (Inês e Diogo) que já dormem, tal foi o entusiasmo neste dia que agora termina.
Pressenti que este seria um fim-de-semana memorável e as estrelas, os astros ou o que quer que seja que reja as leis do universo não me defraudaram.

A saia de Sevilhana

Decidi que correria a Maratona de Sevilha no dia seguinte a completar a minha primeira maratona em Amesterdão, em outubro último. E mais. Depois das dezenas de atletas que havia visto a correr mascarados, decidi que em Sevilha seria Sevilhana. E assim foi. Agarrei na minha saia preta de ténis e pedi à minha sogrinha habilidosa para aplicar por cima o típico padrão sevilhano. Ora bem. A saia de ténis, como é sabido, é de lycra. O tecido vermelho com pintas pretas não era extensível. Mas só na véspera da maratona, pelas 23 horas, decidi verificar se estava tudo bem. Não estava. A saia não passava nas ancas. Foi uma luta intensa, sabendo que não tinha trazido mais qualquer equipamento comigo e que aquela hora tudo estaria fechado. Devo ter inventado uma qualquer posição de yoga e a saia lá foi ao lugar. “Amanhã de manhã entro em stress a vestir isto”, pensei eu. “Não a tiro, durmo com ela”, decidi. E deitei-me com a saia de sevilhana vestida. Passados 5 minutos ocorreu-me que não conseguiria estar 15 horas sem usar a “toilette” (a saia de ténis tem calções acoplados, como sabem), pelo que fui lutar novamente com a saia para a retirar. Acabei por adiantar a hora de despertar para garantir que conseguiria correr a maratona. Vestida, claro. E assim foi. Nova luta matinal, mas nem um ponto da costura arrebentou.

O que estás aqui a fazer mascarada, Susana?

Cheguei ao Estádio Olímpico pelas 8 horas, esperando encontrar alguns amigos no Mini-Encontrão do Portugal Running. Ninguém.
Eram já milhares os que aguardavam o início dos 42. Tudo em grande animação, mas… Quantos mascarados? Eu própria. Sério. Acredito ter visto uma cabeleira verde alface algures. Nada mais. Aguardei junto ao gradeamento, com os olhos postos no chão. Não foi fácil suportar sozinha 600.000 olhares na direção da minha saia de sevilhana. O vermelho era mesmo… Choque! “Vais correr assim?”, pergunta um espanhol a sorrir. Respondi com o meu melhor sotaque “Claro!”. Sorrisos, comentários e eu sem um buraco onde me enfiar. “Estou salva”, penso, vendo chegar a Carla André e o Al ao fundo da rua. Corro em direção a eles - a Miss Coragem&Alegria do Portugal Running e o meu querido amigo e padrinho das corridas – e esqueço a saia de sevilhana.

Começam os 42

E assim chega o momento da partida. A meu lado, o Al, as valentes Ana e Sandra que correm a sua primeira maratona, e o Rui, que as acompanhava.
Sol, sem vento e temperatura perfeita para correr. Sigo com o Al ao meu lado, mas ouvindo a minha música. Faz-me acreditar que é ele quem impõe o ritmo, mas eu sei que sou eu quem o obriga a correr a 5’30″ e o atraso. Volta e meia faz-me sinal de alerta. Alguns atletas perguntam se sou sevilhana, comentam que o outfit é “precioso” e outras coisas simpáticas. Ganho confiança! Mais adiante chegamos a zonas mais movimentadas e começam a encher-se de gente. Todos aplaudem, gritam palavras de incentivo, fazem a fiesta. “Venga sevilhana”, “Fuerza Susana (o dorsal tem o nome inscrito)” e “Olé”. Não andarei longe da verdade se disser que os ouvi 2.678 vezes! Até um polícia por quem passei sorriu exclamando “safada”! O que inicialmente pensava ter sido uma má aposta, reverteu a meu favor, recebendo palavras de carinho e incentivo por parte das gentes locais, que apreciavam ver o seu traje típico a correr 42 km pela cidade. Nos abastecimentos, a mesma coisa. Os voluntários deliravam com o meu outfit! Arrepiei várias vezes, confesso. O ambiente que se vivia a isso conduzia.
Cerca do km 16 ouvi “Susana” em tom familiar. Lá estava a minha equipa técnica. Os meus mais-que-tudo. Uma alegria que não cabe neste 1,57 m de gente. Uma lágrima (minto, várias!) no canto do olho. Um beijo a correr na Inês e Diogo e segui caminho, obedecendo às palavras de ordem da minha filhota, que queria que me apressasse para ainda chegar a tempo de subir ao pódio!
Esperava reencontrá-los apenas na meta, mas voltam a surpreender-me de novo aos 30 km, num momento crucial. O do muro, da parede e das coisas que tais. O Diogo olhava-me estupefacto, com aquele olhar que lhe é característico. Nunca me viu correr e certamente terá imaginado que a mãe levava a corrida mais a sério. A legenda para o olhar do meu filho seria algo do tipo “quem é esta lunática, de onde vem e para onde vai”. Novamente energizada – tanto quanto possível depois de 3 horas a correr – segui para os últimos 12 km. Uma vez mais os espanhóis e outros apoiantes não locais foram cruciais para não quebrar. Era impossível não sorrir de este a oeste com tanta palavra de apoio. Doces palavras de apoio!
Foram estas palavras que me levaram até ao fim. Tal como a presença e carinho da minha equipa técnica de elite.
Já não se trata apenas de um vício chamado “serotonina”, “corrida” ou “42k”.
Cruzar aquela meta faz-nos sentir capazes de tudo. Acho que é esse o meu vício.
Hoje não corri com as pernas nem com a cabeça.
Em Sevilha, corri com o coração. E que bem que soube!

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